O Brasil é um país em crise e creio que esta seja uma unanimidade. Afinal, quem discorda da ideia de que passamos por uma profunda crise no país, não apenas econômica, mas também política, moral e institucional?
Porém, crises não podem ser analisadas exclusivamente por seu aspecto negativo. Crise, sobretudo, corresponde a uma fase de transição, de mudança, não raro necessária para o amadurecimento e aperfeiçoamento do que quer que seja.
Em matéria de país, Estado, ou nação, me ocorre o exemplo da África do Sul, que viveu décadas sob um regime segregacionista chamado Apartheid. O Apartheid era um regime que dividia homens de acordo com suas raças e impedia o acesso de uns a regiões urbanas exclusivas de outros. O argumento, segundo os arautos do regime, era a necessidade de se manter uma distância harmoniosa entre grupos, segundo eles, incapazes de conviver num mesmo espaço geográfico.
O fim do Apartheid trouxe o fim das barreiras urbano-geográficas, pelo menos daquelas institucionais. Negros e brancos, antes separados por lei, agora poderiam, em tese, frequentar os mesmos espaços. Com a novidade, o caos. Décadas de hostilidade alimentada por distanciamento, armas e racismo redundaram num nível de tensão tão grande que, ao final, se poderia comparar a nitroglicerina pura. Uma explosão era inevitável.
E, assim, aconteceu. Com o fim do Apartheid, a violência explodiu. Ricos evadiram da África do Sul e seu dinheiro, idem. Prédios inteiros foram evacuados de um dia para o outro. Empresas deixaram o país e tantas outras evitaram ali investir. Um cenário de desordem se instalou e muitos dos defensores do antigo regime racista esfregaram as mãos dizendo: "eu sabia que isso iria acontecer".
A África do Sul não é hoje nenhum exemplo de perfeição político-institucional. Também não se pode considerá-la um modelo de convivência harmônica entre diferentes raças. Porém, hoje, a África do Sul conta com uma democracia relativamente estável, uma economia pujante, instituições consolidadas e, a título de exemplo, já figura em terceiro lugar como destino preferido entre turistas brasileiros que viajam ao Exterior.
Nada disso seria possível, não fosse a crise provocada pela mudança do regime. Estados Unidos, França, Alemanha e outros países passaram por traumas semelhantes e também extraíram daí lições valorosas.
O Brasil está agora enfrentando fantasmas antigos. Mudar em relação a posturas antigas é sair da zona de conforto. A corrupção, o ardil, a artimanha e até mesmo o comportamento violento, sempre fizeram parte da cultura brasileira, mas só agora estão vindo à tona. Estamos em crise, mas, acreditem, isso pode ser bom. Aproveitemos a instabilidade para destruir aquilo que nos é ruim e estabelecer o que pode vir a ser bom.
Otimismo de minha parte? Talvez. Mas prefiro pensar que uma febre é sempre um sinal de que o sistema imunológico está em funcionamento. O Brasil está com febre. Ou melhora ou morre. Desculpem-me os catastrofistas, mas não cogito a hipótese de o Brasil morrer. Pago pra ver.